domingo, 19 de dezembro de 2010

O verdadeiro Papai Noel

Papai Noel - O que você quer ganhar de Natal?
Menininha - Uma "muneca" bem "munita"! 
PN - Papai Noel vai dar se você se comportar direitinho - respondeu o velhinho automaticamente, como qualquer Papai Noel de shopping. O emprego era um excelente "bico" e era garantido todo final de ano. José se aposentara fazia 2 anos e essa grana extra podia lhe ajudar a pagar as contas.
Menininha - Tá bom, Papai Noel! 
No entanto, o trabalho era cansativo. Todo tipo de criança, das mais educadas às mais pentelhas iam lá sentar no seu colo e falar sempre as mesmas coisas. As respostas do Papai Noel eram sempre automáticas. O calor também era insuportável e aquela fantasia não ajudava. Havia dificuldade também pra se alimentar, pra ir no banheiro... E ficar sentado todo aquele tempo enjoava. 


Já havia atendido umas 250 crianças naquele dia. Estava exausto. A voz já falhava. O que o consolava era o fato de não ter mais criança na fila. O shopping fechava às 23:00 horas e já eram 22:45. José estava aliviado. Porém, avistou uma última criança se aproximando. José escondeu a irritação. Só que aquele menino era diferente. Estava sujo, mas não de uma sujeira normal. Parecia que não tomava banho há dias. Estava todo encardido. O cabelo com uma mistura de oleosidade e sujeira. Olhos remelentos, pés descalços e unhas compridas. O menino se aproximou calado. José o encarou, um pouco receoso. 

Menino - O senhor é o Papai Noel?

José - Sim, meu filho! No que posso ajudá-lo?
Menino - Sua barba é de verdade? Você é o Papai Noel de verdade?
José - Eu falei que sim... 
Menino - É que eu não queria falar com o falso. Preciso muito fazer um pedido para o verdadeiro...
José - Como assim o falso?
Menino - É que no ano passado eu fiz um pedido para um Papai Noel e ele não me ajudou...
José - Mas você se comportou direitinho?

Menino - Acho que sim. 
José - Quantos anos você tem?

Menino - 8.
José - E qual o seu pedido para o Papai Noel?
Menino - Mas antes eu preciso saber se você é o verdadeiro!
José - Eu sou, já disse. Pode pedir. Qual o seu nome?
Lucas - Lucas!
José - Legal. Sabia que era o nome de um apóstolo de Cristo?
Lucas - Que que é apóstolo?
José - Os seguidores de Jesus... Ah, deixa pra lá.
Lucas - Mas você é o verdadeiro Papai Noel?
José - Sou sim, já falei! Não fale mais isso senão não vai ganhar mais presente!
Lucas - Eu nunca ganhei mesmo...
José - Como assim nunca ganhou?
Lucas - Eu não me lembro de ganhar nada... Se ganhei, era bem pequenininho.
José - Aonde estão os seus pais?
Lucas - É por isso mesmo que eu perguntei se o senhor é o verdadeiro Papai Noel...
José - Me explique isso...
Lucas - Eu perdi os meus pais. A gente morava debaixo do viaduto, mas no ano passado eles sumiram.
José - Sumiram?
Lucas - Eu não sei. Eu tava dormindo com eles, aí acordei e eles não estavam mais lá. O pessoal lá aonde eu durmo fica falando numa tal de chacina.

José suou frio.

Lucas - Eu queria saber aonde fica essa cidade chamada chacina. Talvez os meus pais estejam lá. Eu queria pedir para o Papai Noel de verdade mandar os meus pais de volta pra casa.

José não sabia como responder aquilo. Tentou desviar o assunto:

José - Você quer pedir algum brinquedo?
Lucas - Não, obrigado, eu já tenho tudo que preciso. Bolinha de gude, latinhas. Eu ganho umas coisas bem legais por trabalhar no sinaleiro. O pessoal já me deu até uma bola. Eu e os meninos jogamos de vez em quando.
José - Que tal uma bola?
Lucas - Ah, não pode pedir algo de comer?
José - Até pode... mas eu vou voar lá do pólo-norte só pra te entregar algo de comer?
Lucas - Mas esse é o seu trabalho, não é? E se não puder trazer os meus pais de volta, eu quero um daqueles salgadinhos de pacote vermelho. Pode ser um pacote de pão e um pouco de mortadela, porque aí eu divido com meus amigos lá do viaduto.

José sentiu um nó na garganta. 

José - Venha aqui menino! 
Lucas - Aonde?
José - Por aqui...

Foram até a lanchonete Burger King. José comprou um whopper duplo para Lucas. 

José- Pode comer tudo.
Lucas - Nossa, que sanduichão Papai Noel! Eu acho que você é o Papai Noel de verdade mesmo, apesar dessa barba estranha!
José - Barba estranha?
Lucas - É, é um pouco assustadora... Já vi outro Papai Noel com a barba mais bonita que a sua.
José - Você é uma figura! - Disse, sorrindo.
Lucas - Tá muito bom esse sanduichão. E essa batata aqui também! Obrigado Papai Noel, eu tava com fome! Opa, desculpa! (disse, depois de arrotar).
José - Isso é bom então?
Lucas - Muito! A melhor coisa que já comi na vida. Apesar de que uma vez eu comi um abacaxi bem gostoso que achei no lixo. Esse pessoal joga fora tanta coisa que ainda tá boa! Eu e meus amigos comemos aquele abacaxi com muito gosto. Só descascamos com o canivete do Toninho e pronto! 

José - Deve ter sido bom mesmo...

Lucas - Sim, Sim! Papai Noel, você vai poder realizar aquele meu pedido?
José - Tô pensando ainda sobre isso, menino! Come agora.

Lucas - Tá bom. 

O menino continuou saboreando cada mordida naquele sanduíche do qual ele nunca havia experimentado.



Ao finalizar, José disse:

- Satisfeito?

Lucas - Aham! Meu estômago tá até doendo. Nunca comi tanto na vida!
José - Que bom!

Lucas - Mas então Papai Noel, você vai realizar meu desejo?
José - Bem, essas coisas são meio complicadas para realizar...
Lucas - Eu sabia, você não é de verdade! Eu já ouvi falar que o Papai Noel de verdade realiza qualquer pedido que a criança fizer! 

José - Não é bem assim...
Lucas - É sim!! - disse chorando e se afastando.

José - Espera aí Lucas!

O menino foi caminhando para a saída do shopping, chorando. José o seguiu. Estava pensativo.Lá fora do shopping, Lucas sentou na escadaria e continuou chorando. 

José - Lucas, eu tenho que te falar uma coisa.
Lucas - O que, que você não é o Papai Noel?
José - Isso mesmo.
Lucas - Eu sabia! Por isso que eu nunca ganho presente nem nada, eu nunca acho o verdadeiro! 
José - Calma. O meu nome é José - disse, tirando a barba postiça e a touca.
Lucas - Viu, viu? Tem até barba falsa!
José - Eu trabalho aqui no shopping como Papai Noel. 
Lucas - Eu vi!
José - Pois é... 
Lucas - Mas agora eles estão fechando o shopping...
José - É, é hora de ir pra casa. 
Lucas - Pelo menos o senhor tem uma casa de verdade.

José olhou para o céu e ficou pensativo. Teria de tomar uma decisão.

José - Olha menino, eu moro sozinho. Minha esposa morreu faz 3 anos, não tenho filhos... Sempre quis ter, mas não pudemos...


O menino prestava atenção.


José - E eu tava pensando, enquanto seu pai e sua mãe não voltam, você podia morar lá em casa. Tem um quarto extra lá. Tem comida também. Você toma um banho, vai pra escola...

Lucas - O senhor tá querendo me adotar?
José - É, acho que é isso...
Lucas - Mas só até meus pais voltarem, não é?
José - Isso, isso! Quando voltarem você fica com eles.
Lucas - Fechado então! Eu sempre quis ir pra escola!
José - É bom querer mesmo. Lugar de criança é na escola, não na rua!
Lucas - E eu vou poder comer aquele sanduichão de novo?
José - Sim, todo final de semana.
Lucas - Aê! Legal! 


José - Vamos pra casa então?

Lucas - Vamos! - Respondeu, sorridente.


Lucas - José!

José - Diga.

Lucas - Eu acho que você é o verdadeiro Papai Noel sim, só não quer me contar!

José - Hahaha! Você é engraçado mesmo!...



A Lua se escondeu atrás de uma nuvem. Um último ônibus virou a esquina. Gatos brincavam perto das latas de lixo. Uma luz apareceu no céu. Era um fogo de artifício solitário.

sábado, 11 de dezembro de 2010

O velhinho

Sempre que vejo uma criança,
como num relance
retorna a saudade 
de um tempo que se foi.
Oh, tenra idade!
Eu podia brincar
sem remorso,
Sem cansaço.
Com os meninos da rua,
Correria.
pular corda,
bicicleta,
Bola,
Pega-pega,
Cabra-cega
Todo dia!
E hoje, nada.
Fico aqui sentado
olhando a juventude 
pela janela.
O rosto enrugado,
calado,
encostado nela,
sendo a idade
minha própria cela.
Apesar de tudo,
tive uma boa vida.
Namorei, amei, casei,
filhos tive.
Porém, não me venha perguntar
como se vive.
Pois a vida
cada um sabe como tratar.
porque me arrependo
de não ter vivido,
a plenitude
da minha juventude.
Nem que tivesse sofrido
por qualquer atitude
que tomasse.
pois se nasce
somente uma vez.
Se envelhece
somente uma vez.
E aí chega o fim, 
você olha para trás
e pensa nas coisas
que não fez...

Agora vou me recostar
um pouco mais
na minha poltrona
e observar meus netos
brincando no quintal.
O cansaço chegou
logo vem um vendaval
e a fadiga é minha dona.
tenho que fechar os olhos
e descansar.
tenho que lembrar dos sonhos
e dos pensamentos que vem à tona.
Esse, porém, não é um adeus.
Talvez um tchau.
Um até logo.
Pois logo
nesse lugar
no qual estou
virá você
que agora lê.
Quando a idade chegar,
olhará para o que restou,
e lágrimas ofuscarão
tudo aquilo que você vê.
encarará o espelho
e finalmente
verá
como se sente
um velho
com a mente
no passado
nada recente.
A hora é agora,
minha criança!
Não deixe que o tempo
transforme a vida
na eterna lembrança
das coisas que nunca viveu.
Agarre o tempo
enquanto ele é seu.